Rampazo brilha em uma bela releitura do clássico que encanta gerações.

Pinóquio.
O boneco de madeira que sonhava em ser um menino.
Um menino de verdade.
Deixar de ser de madeira, ser de carne e osso.
Essa é a história que você conhece.

E se, na verdade, ele só não quisesse ser um boneco de madeira?
E se ele fosse um grilo, ou uma fada? Um gato, uma raposa ou um burro?
Quem de fato ele próprio gostaria de ser?

"Quando Pinóquio parou em frente ao espelho, o que viu refletido foi um boneco que era, na verdade, um pedaço de madeira"
Alexandre Rampazo cria a partir destes questionamentos e provocações, um jogo de espelhos entre as páginas, onde Pinóquio se vê refletido com múltiplas identidades. Para cada figura, indentifica-se uma característica, uma qualidade: o grilo, ajuizado e conselheiro; Gepeto sempre muito gentil; a raposa, astuta. E justamente nestes reflexos, em que os personagens conversam entre si, que Rampazo nos traz a dualidade de cada um deles - quem se lembra da história original sabe muito bem que todos eles têm suas questões.
O momento célebre do livro é quando Pinóquio encontra uma árvore - entendo aqui, como sua origem. Pois é, se ele fosse, uma árvore? O que uma árvore sonhava em ser?

Não vou contar mais para não estragar a surpresa do livro, que vem cheia de referências externas e de outros livros, inclusive.
Com um projeto gráfico e editorial impecável pela Boitatá, o livro é construído para dar o foco nos personagens, com um respiro entre as margens - um perfil que já percebi ser uma característica bem marcante do autor. Ele cria sua própria margem e espaço, com muito branco e fundos livres.
E para esse livro isso foi mais que especial! Com traços suaves e muita textura, somos hipnotizados por Pinóquio!
Afinal, o que é ser real, de verdade?
Ah, claro - o livro é ainda uma ótima deixa para se conhecer a verdadeira história de Pinóquio, e não só a conhecida adaptação dos Estúdios Disney.
POR QUE LÊ-LO?
Essa é a clássica história de Carlo Collodi.
Criado por Gepeto, Pinóquio foi o boneco que fez parte do imaginário de muitos entre gerações e hoje tem mais de cem anos.
Curioso, pois é um personagem que fala muito profundamente sobre questões importantes da infância, em arquétipos complexos.

Esta releitura, em especial, é questionadora das motivações de Pinóquio em querer ser um menino de verdade.
Rampazo, confronta esse desejo inicial do boneco, colocando-o frente a frente com tantas outras possibilidades e desejos - afinal, o que ele realmente gostaria de ser?
Um livro muito sensível para se trabalhar com os pequenos a descoberta da própria identidade, a aceitação de si mesmo e o que de fato, somos.
Ah, mas e a mentira, onde mora na narrativa do autor? Está ali, disfarçada para mim, de amadurecimento!
Afinal, quem nunca mentiu para ter algo? Prova-se que uma mentira não define a personalidade de ninguém!
Repleto de possibilidades de discussões e interpretações, arrisco dizer que este já está na lista dos melhores do ano de 2019.